sexta-feira, 12 de abril de 2013

Street art: usar a cidade antes que ela te use

"Street art refere-se a uma forma de expressão artística encontrada em espaços públicos e, assim, aberta e acessível a todos. Isso inclui muitas formas diferentes de graffiti, bem como adesivos e stencils, a alteração de cartazes de propaganda, instalações e reconstrução de uma área especificamente escolhida pelo artista.

Os street artistis quase sempre permanecem anônimos ou são conhecidos apenas por um círculo pequeno de pessoas. "Reclaim the Streets (recuperar as ruas)" é um slogan popular entre os artistas, referindo-se à sua visão crítica da publicidade difundida nas cidades. A arte geralmente implica em um ato ilícito (por exemplo, danos em propriedades e cartazes não autorizadas). O artista, no entanto, não vê nada de ilegal no que estão fazendo.

Artistas de rua promovem a si mesmo, suas atitudes ou idéias específicas em seu trabalho. Assim os trabalhos são "publicidade" para um indivíduo e não um produto no sentido clássico. Suas obras frequentemente assumem um ar de paródia a um anúncio existente. Artistas definem sua motivação como decorrente de uma necessidade de desenhar pessoalmente o espaço público fornecendo uma alternativa para o impacto dominante da publicidade comercial e sua superficialidade, se constituindo como uma saída para expressar sua criatividade."

Essa é a definição de arte de rua feita no livro Street art in Berlin, do Kai Jakob. Achei a publicação abandonada no aeroporto da capital alemã em janeiro do ano passado. Sempre gostei muito de intervenções urbanas, creio que deixam a cidade mais bonita, quebram o padrão cinzento das metrópoles e surpreendem aqueles que circulam pelas ruas.

Há uma discussão muito grande que envolve pichação, grafite e intervenções/instalações urbanas. Algumas são bem aceitas socialmente por serem consideradas criativas, que agregam ao dia a dia da cidade, às vezes até trazem uma crítica ou uma mensagem positiva e bem humorada. Outras são consideradas apenas vandalismo, uma questão de poluição visual que deve ser combatida. O que inicialmente era colocado tudo no mesmo lado da balança foi ganhando diversas classificações. Enquanto uns ainda são considerados "coisa de marginal, só sujeira", outros passaram a ocupar galerias de artes e serem disputados por colecionadores. Independente da forma, raramente paramos para pensar: o que essa expressão significa? Há algum propósito ou mensagem? Existe essa delimitação entre arte e vandalismo dentro da street art? Street art e grafite são duas áreas diferentes?

Talvez seja devido a essa falta de compreensão, de debate sobre a street art que haja diversas polêmicas sobre algumas obras, muitas sendo consideradas preconceituosas ou então com apologia a determinadas condutas. Exemplos disso podem ser encontrados nos vídeos Exit through the gift shop, do Banksy e Fast Life, do MTO. As polêmicas mais recentes que tive notícias envolveram artistas brasileiros. Em agosto de 2012, Os Gêmeos fizeram um grafite em Boston, EUA, que gerou uma manifestação contrária a arte por muitos acreditarem que retratava um terrorista.

Click na imagem para ver mais fotos e um vídeo sobre a obra acima
Em Goiânia, Decy Graffiti também protagonizou um imbróglio envolvendo street art em propriedades privadas. Ele começou a pintar os caixotes metálicos cinzentos de telefonia espalhados pelas calçadas da cidade. Em entrevista para o jornal O Hoje, o artista afirmou que "É claro que achei que seria uma boa maneira de divulgar o nosso trabalho, mas também quis deixar as caixinhas mais bonitas", já que muitas delas eram utilizadas (também sem autorização) para a fixação de cartazes publicitários, gerando uma grande poluição visual.

Resultado: a empresa telefônica pediu para que o artista não pintasse mais as caixas metálicas pois ele não havia pedido autorização e, futuramente, ao serem removidas e devolvidas, elas teriam que estar na cor original, ou seja, cinzas. Ok, cabe a discussão sobre pedir autorização ou não para utilizar o espaço, porém a empresa perdeu uma grande oportunidade publicitária.

Por que não entrar em contato com o Decy, fazer um acordo no qual a empresa apoiava, patrocinava o artista, permitindo que ele continuasse grafitando as caixas telefônicas, mas dessa vez colocando a marca da instituição em um cantinho? Eles poderia usar o discurso: "apoiamos a cultura", "estamos deixando a cidade mais bonita" e, com certeza, ganhariam uma excelente repercussão que poderia até mesmo compensar os custos e o trabalho de, futuramente, repintar todas as caixas, para serem devolvidas.

No post Vergonha em terras alemãs eu coloquei um vídeo da exposição d'Os Gêmeos e eles fazem algumas definições e considerações sobre o grafite que são bem interessantes, mas a que eu mais me identifico é: "Se você não usar a cidade, ela vai te usar". Apropriar-se do espaço público para mostrar que você está ali, que você existe em meio a todo o concreto. Quase um grito de socorro para chamar a atenção para si e seus problemas, suas mazelas. Vale conferir o vídeo e também o site dos artistas, tem vários outros vídeos e links sobre o tema.

Além das ações isoladas de artistas ou pequenos grupos, existem vários projetos bem legais que buscam valorizar e difundir as artes urbanas em uma escala muito maior. O primeiro que vou destacar aqui é o Street Art View. É um Google Maps de grafite e instalações. Você acessa o site e vai navegando pelos países, estados, cidades e bairros por meio das marcações já existentes. Se você sabe onde existe alguma arte que não esteja marcada, você pode criar a tag com a localização. Porém, há uma pequena falha nesse processo. Street Art é um processo efêmero, espontâneo e mutante. Algumas das marcações mostram prédios que já foram repintados, apagando a obra que existia ali  Há um mês atrás estava em São Paulo, registrei algumas pinturas, como essa aqui do lado, e quando fui marcar no mapa, as imagens dos muros no sistema estavam desatualizadas, então os grafites não existiam, segundo o site. Porém, é uma boa iniciativa, pois é uma forma de encontrar as obras que, por vezes, passam despercebidas, assim como se constitui como um permanente registro de obras que já foram apagadas.

Um outro projeto que está ganhando força no país e usa o mesmo sistema de localização do Google Maps é o Color+City. A ideia é simples: você tem um muro aí dando bobeira, gostaria de vê-lo grafitado? Então tire uma foto dele, cadastra no mapa, colocando o endereço certinho e pronto. Você quer um muro para grafitar? Basta localizar os pontos disponíveis, se candidatar, entrar em contato e mãos a obra. Quer ver o resultado? Entre no site, selecione as intervenções feitas e confira as fotos.



É como o Gilberto Dimenstein disse no vídeo acima: além de criar novas cores, novas linguagens para uma cidade cada vez mais cinza, caótica e apática, o projeto busca transformar o muro, objeto de separação, em um espaço de integração, formando um grande mosaico colorido a céu aberto. Outro aspecto interessante foi apontado pela Natália Garcia: uma cidade colorida te convida a passear por ela. Quando eu estava na Espanha, adorava passar pelas ruas pois sabia que encontraria artistas de rua espalhados por dezenas de praças e esquinas. Na Alemanha, eu enfrentei temperaturas bem próximas a zero e até mesmo negativas só para percorrer a capital procurando essas artes urbanas. É uma quebra de realidade e de padrão que chama a atenção, que te conquista, mesmo que por poucos segundos.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

As histórias que ninguém vê

Quando não estamos em um lugar familiar, seja na primeira visita na casa de algum amigo ou quando se está em outra cidade, nos tornamos muito mais observadores. Em ambientes já conhecidos, nosso olhar torna-se adormecido, não reparando pequenos detalhes ou mudanças. Em lugares ainda não explorados por nossa visão, nos atentamos a cada pequeno detalhe para compreender o espaço e o que se passa dentro dele.
Eu sempre fui muito observador, curioso sobre tudo que acontece a minha volta. Nas últimas semanas, vivendo longe de casa, me tornei ainda mais atento. Uma maneira de me localizar e me ambientar mais rápido; de compreender como funciona a cidade, as pessoas que nela vivem e a cultura dominante.

Voltando do almoço há alguns dias, cruzei com um morador de rua que caminhava com os olhos fixos em um livro. A obra, capa laranjada, muito bem conservada, com páginas brancas sem um único amassado, contrastava com o seu leitor, de chinelo desgastado e roupas sujas. Sua atenção com as letras era tamanha que não notou que eu o observava.

Há algumas semanas, vi um morador de rua dormindo em uma calçada em pleno centro movimentado. Pelo menos uma centena de pessoas passava por essa calçada por minuto. Seis horas da tarde e uma temperatura de 15°C acompanhada de uma leve garoa, tendo apenas o chão duro, sujo e úmido como local de repouso. Centenas passavam pelo local, mas simplesmente não enxergavam essa pessoa. Sequer olhavam rapidamente, mesmo que para atentar por onde pisavam e desviar daquele que dormia sob a marquise.

Em 2008, viajei com um grupo de amigos para o Rio de Janeiro para um congresso de comunicação. Em um passeio noturno pelo bairro da Lapa, centro da boemia carioca, paramos para comprar cerveja e um morador de rua se aproximou do nosso grupo e começou a dar cantadas nas gurias que estavam conosco. Resolvemos ver até onde iria aquela situação. Em um determinado momento, aquele senhor viu que um dos meus amigos usava uma camiseta dos Beatles e começou a declamar, de maneira meio desafinada, tropeçando em alguns versos, a música Forever Young. Não preciso dizer o quanto isso surpreendeu a todos. Não é algo usual encontrar um morador de rua que conheça os garotos de Liverpool.

Essas situações inusitadas sempre me fazem refletir sobre a invisibilidade social. Todos esses moradores de rua existem. Possuem uma história. Há uma razão por estarem ali. Simplesmente desviar o olhar ao passar por eles não vai fazer com que desapareçam ou que o problema social seja resolvido. Porém, não temos a capacidade de, individualmente, mudar toda a realidade. Porém, não ignorá-los, de tal forma que voltem a existir no cenário social, que sejam percebidos, pode ser o início de uma transformação. Não precisamos viver em um mundo perfeito. Um mundo um pouco melhor já basta.

Uma coisa que se torna mais nítida para mim a cada dia é que não devemos esperar do Estado a solução de todos os problemas. Ele tem sim suas responsabilidades, mas se podemos fazer algo para melhorar a realidade próxima a nós, por que não fazer? Participar ou ajudar ONGs e projetos sociais é algo tão distante de sua concepção? O discurso “eu já pago muitos impostos, então não preciso me engajar, o Estado que resolva” está sempre na ponta da sua língua? O engajamento social não é pior coisa do mundo, tampouco humilhante, acredite. Também não é feito para ganhar títulos, honrarias e elogios excessivos. É fazê-lo pelo fato de ser o certo.

Isso ajudará no desenvolvimento social. Se você é do tipo mais individualista, pense da seguinte maneira: se você se engajar, buscar atuar de maneira mais efetiva na sociedade, de alguma forma estará proporcionando uma melhoria, por menor que seja, o que será revertido também na melhoria de sua realidade social. A partir do momento que as pessoas perceberem que a mudança da realidade que elas tanto  criticam partem dela, não dos outro, que não devem apenas ficar aguardando as soluções virem do céu, nossa sociedade conseguirá, por fim, melhorar sensivelmente.